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sexta-feira, 24 de maio de 2013

Um dia na Delegacia de Guajará-Mirim

A delegacia de Guajará-Mirim teve, em sua história, delegados de polícia de magistral competência, cada qual com estilo próprio de inquirir os indigitados.
Naquele tempo os humanos direitos nem eram invocados. Hoje, quem não deseja reconhecer os direitos humanos são os marginais que roubam, furtam, matam e estupram, com sadismo e requinte de brutal ferocidade…

Eficiência comprovada era a do delegado e velho capitão. Fosse furto de galinha ou afanação de maior monta, ninguém melhor que ele para resolver uma demanda investigativa. Nas mãos dele e, decorrente dos processos de que se valia para obter confissões, de maneira sutil e abençoada, houve acusados que entregavam o aonde estavam os sacos com os roubos de vitrolas, gramofones, lamparinas sem pavio e até mesmo “pince-nêz” rendilhado com correntes de ouro.

Costumava usar métodos pouco convencionais para extrair dos suspeitos a confissão de um delito.

Caso inusitado ocorreu no “Shack” do rádio amador Afonso Rodrigues. Certo equipamento foi dado como desaparecido. Feitas as averiguações iniciais, o sagaz delegado, com o periscópio do olhar aprumado, (antenado nos detalhes, nas cores e nos cheiros do local invadido) vislumbrou algumas marcas de lama no formato de pés humanos nas paredes. Ruminou, puxou o pigarro da garganta, deu uma baforada no seu charuto de estimação, coçou a cabeça e sentenciou:
– É coisa de estrangeiro!
E, juntamente com os seus adjuntos, saiu à caça do possível suspeito. A caçada foi em tamanho dois por quatro. Logo adentraram à Delegacia, trazendo um sujeitinho mirrado, com sintomas de ter sido feito à imagem e semelhança de uma correspondência, tendo um envelope com roupagem. Olhando o fulano de frente, parecia que ele estava de lado; olhando de lado, parecia que ele tinha ido embora.

E começou a inquirição. O Delegado disse para o adjunto:
– Anote os pormenores… todos, seu Tobias. Não quero confusão com o Promotor Público.
E a autoridade continuou! homem sisudão estava circunspecto demais para a ocasião:
– Confessa, estrangeiro de uma figa! Na verdade “o de uma figa não foi de uma figa”, mas… Ou será que vou encaminhá-lo para um lugar especial! Vá, meu leal auxiliar leve o nosso distinto cavalheiro para o núcleo onde vicejam os indivíduos himenópteros da família dos formicideos. Avie-se, homem!

O suspeito obtemperou:
– Doctor, crea-me, no sé lo que pasa… Tenga compasión!
Depois de muito perguntar sem resposta obter, o capitão avançou no gogó do suspeito e deu de virar o coitado de cabeça pra baixo, sacudi-lo por todos os lados, varejando a pessoa dele na parede. Uma voz escondida alarmou:
– O delegado e seu Adjunto vão estuporar o preso!
 Ao fim, o Delegado pediu a “Moe de Ferro”, outro Assessor leal e com ele afinado:
  – Traga o aparelho confessório!
 E veio uma peça nojenta, feita de ferro e já enferrujada, no feitio de alicate que, para apertar os cabos deviam ser movidos para os lados. Era uma TORQUÊS. Os dicionaristas definem a torquês como “Instrumento articulado, de ferro, próprio para segurar e arrancar; tenaz”.

 Aliás, naquela Delegacia os instrumentos eram enferrujados. Lembram-se da máquina de cortar cabelo e da navalha que o Sarará teve que enfrentar?

 O suspeito, para surpresa do Delegado, nem estrangeiro era, gritou apavorado:
 – Socorro!… Valha-me Deus! Quero a minha mãe!
E confessou tudo!

Do tal equipamento desaparecido, nunca se teve notícia. Em compensação “o núcleo onde vicejam os indivíduos himenópteros da família dos formicideos” ficou na historiografia policial de toda esta imensa região fronteiriça.

Formigueiro bom era aquele que se nutria no entusiasmo e no fervor dos Adjuntos do velho e sempre lembrado capitão…

Autor: Paulo Saldanha